Prestem atenção todos vocês. Era meu o corpo que ali estava debaixo de um emaranhado inóspito de ferros, tubos, aventais e olhares burocráticos da equipe médica. Por alguma razão, conservava ainda a lucidez e a consciência, apesar da lentidão com que eu as processava. O seu pânico, o seu desespero, os seus comentários estúpidos de nada adiantaram, em nada construíram, pois era meu o corpo que ali estava. Mas, obrigado por pensar em mim. Muitas vezes eu senti o egoísmo se apossar de mim e, confesso, deixei-o se instalar. Auto-defesa, lembram... Sabe, eu não estava lá quando crucificaram o meu Senhor, mas sei de estórias. Sei dos pés calejados, do escárnio, das cusparadas, dos açoites, do seu sacrifício. Vi minha vida passar naquela cama de ferro, e tive a prova do amor superior, amor esse cuja incapacidade dos homens em dar é notória. Pareceu-me, certo dia, um anjo, a criatura aboletada ao meu lado. Ele sorria meio encabulado e dizia para que nada temesse, pois o meu Senhor estava comigo. Retribuí o carinho e procurei seguir. Não tenho seis meses, tenho uma vida inteira pra pôr pra fora.
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