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quarta-feira, 8 de abril de 2009

Adoniran Barbosa



Apr 8, '09 7:24 PM
by Ever for everyone
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João Rubinato, que adotou o pseudônimo de Adoniran Barbosa em 1935, em homenagem aos amigos Adoniran Alves e Luís Barbosa, nasceu em Valinhos, estado de São Paulo, no dia 6 de agosto de 1910. Foi o sétimo filho de um casal de imigrantes italianos, vindos de Veneza. Ainda menino, mudou-se com a família para Jundiaí, Estado de São Paulo, onde estudou, um tanto quanto forçado, até o terceiro ano primário. Foi ainda no tempo de escola que Adoniran começou a trabalhar, ajudando o pai no carregamento de vagões da Estrada de Ferro São Paulo Railway, atual Estrada de Ferro Santos Jundiaí.
Em Jundiaí, trabalhou também como entregador de marmitas e como varredor numa fábrica de tecidos. Em 1924, por causa da Revolução, a família mudou-se para Santo André, na Grande São Paulo, onde, durante anos, Adoniran continuou sendo o faz-de-tudo: foi tecelão, pintor, encanador, serralheiro e garçom, na casa do então Ministro da Guerra, Pandiá Calógeras. Depois, fez o curso de metalúrgico ajustador, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, mas não se deu bem com a nova profissão: o esmerilhamento do ferro prejudicava-lhe os pulmões. Então, Adoniran procurou outros empregos, entre eles o de mascate, vendendo meias.
Como andava muito, Adoniran ia cantando, para encurtar as distâncias. Foi assim que se acostumou a compor andando, mas, para ele, os sambas que compunha eram apenas passatempo e não tinham qual idade nenhuma. Além de compor e cantar, Adoniran vivia batucando na caixa de fósforos. São dessa época seus sambas "Minha vida se consome", feito em parceria com Pedrinho Romano e Viriato dos Santos, e "Socorro", em parceria com Pedrinho Romano. Adoniran ainda trabalhou em loja de ferragens, em agência de automóveis e em loja de tecidos, como entregador de mercadorias. Nesse emprego, Adoniran passava obrigatoriamente pela Rádio Cruzeiro do Sul. Ali ficou conhecendo alguns artistas.
Todo sábado Adoniran participava do programa de calouros dessa Rádio e, depois de muito tentar, finalmente foi aprovado no programa de Jorge Amaral, em 1933, cantando 'Filosofia', de Noel Rosa. Sua voz pequena e rouca não era muito bem aceita numa época em que se destacavam Mário Reis e Francisco Alves. Mesmo assim, Adoniran passou a cantar num programa semanal de 15 minutos, acompanhado por conjunto regional. Cantava sambas de outros compositores mas, sendo uma espécie de 'disc jockey', sempre que possível deixava escapar um sambinha seu. Mesmo assim, continuava fazendo de tudo um pouco.
Em 1935, Adoniran ganhou o concurso carnavalesco da prefeitura de São Paulo, com a marchinha "Dona Boa", composta em parceria com Jota Aimberê. O dinheiro do prêmio, que era para comprar um paletó, foi gasto na comemoração com os amigos. "Dona Boa" foi a primeira composição de Adoniran a ser gravada, na Columbia, por Raul Torres. Nesse ano, compôs ainda, com Totó, o samba "É cedo"; com Pedrinho Romano, o samba "Teu orgulho acabou" e com J. Moura Vasconcelos, a marcha "Teu sorriso".
Adoniran trabalhou na Rádio Cruzeiro do Sul como cantor e animador de programas de discos, de 1935 a 1940, enquanto compunha. Em 1936, compôs "Agora podes chorar"; "Prá esquecer" e "Se meu balão não se queimar" com Nicolini; "Um amor que já passou", com Frazão; "Chega", com José Marcílio; e "Malandro triste", com Mario Silva. De 1937, são as composições "Adeus, escola...", em parceria com Ari Machado e Nilo Silva, "A Canoa Virou" e "Você é a melhor do mundo", com Raimundo Chaves e "Não me deu satisfações" e "Você tem um jeitinho", com Nicolini. Em 1938, aparece a composição "Mamão", feita em parceria com Paulo Noronha e Raimundo Chaves.
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Adoniran e seu principal parceiro, Oswaldo Molles.
Em 1941, levado por Otávio Gabus Mendes, Adoniran foi para a Rádio Record, onde fez radioteatro numa série chamada'Serões Domingueiros'. Foi aí que conheceu Osvaldo Molles, que fazia, na mesma rádio, o programa 'Casa da Sogra' e que acabou criando para Adoniran alguns personagens que ficaram famosos na época: o malandro Zé Cunversa, o judeu de prestações Moisés Rabinovic, o galã do cinema francês Jean Rubinet - inspirado no nome de batismo de Adoniran, João Rubinato, mais o motorista italiano Perna Fina, o professor de inglês Mr. Morris, o moleque Barbosinha Mal-Educado da Silva e Charutinho, que era o mais identificado com a figura de Adoniran Barbosa.
A linguagem desses personagens populares acabou influenciando as composições de Adoniran. Conheceu, então, o conjunto Demônios da Garoa e começaram a trabalhar juntos: formaram uma bandinha para animar as torcidas, nos jogos de futebol promovidos pelos artistas de rádio do interior paulista.
Em 1945, Adoniran compôs "Grande Bahia", em parceria com Avaré, e participou do filme nacional "Pif-paf", dirigido por Ademar Gonzaga. Em 1946 participou, também sob a direção de Ademar Gonzaga, do filme "Caídos do céu", e compôs, com Armando Rosas, a marcha "Salve, oh! Gilda!" e com Ivo de Freitas, o cateretê "Tô com a cara torta". Bem-sucedido, Adoniran compôs, em 1947, o samba dor-de-cotovelo "Asa Negra", gravado por Hélio Sindô.
Em 1949, com Césio Negreiros, compôs "Marcha do Camelô". A partir de 1950 os Demônios da Garoa tornaram-se os mais constantes intérpretes de Adoniran Barbosa e seu samba "Malvina", interpretado por eles, ganhou o concurso carnavalesco de São Paulo em 1951. Ainda em 1951, Adoniran compôs, com Orlando de Barros, o samba-canção "No silêncio da noite"; com Hervé Cordovil, a marcha-rancho "Pode ir em paz"; e com Rômulo Pais e Delé, o baião "Tá moiado".
Em 1952, Adoniran participou do filme "O Cangaceiro", dirigido por Lima Barreto e rodado em Vargem Grande, que acabou recebendo prêmio em Cannes. No mesmo ano compôs, com Osvaldo França e Antonio Lopes, a marcha "Água de Pote"; com Henrique de Almeida e Rômulo Pais, a batucada "A louca chegou"; com Manezinho Araújo, o baião "Tiritica"; e com Osvaldo França, os sambas "O que foi que eu fiz?" e "Joga a chave".
Em 1953, em parceria com Osvaldo Molles e João B. dos Santos, Adoniran compôs o samba "Conselho de mulher" e, em parceria com Blota Júnior, compôs "Gol do Amor" . Em 1954, compôs "Abriu a Janela", junto com Frederico Rossini.
Em maio de 1955, os Demônios da Garoa gravaram, com grande sucesso, o samba de Adoniran "Saudosa maloca", que havia sido composto em 1951 e gravado pelo próprio Adoniran, sem, no entanto, ter alcançado alguma repercussão. Há pouco tempo, "Saudosa Maloca" teve, também, uma gravação na voz de João Bosco. Inspirado em "Saudosa Maloca", Osvaldo Molles criou, na Rádio Record, o programa "História das Malocas", onde Adoniran figurava como Charutinho. Sucesso absoluto, "História das Malocas" ficou no ar durante dez anos, de 1955 a 1965, chegando até a ser levado para a televisão.
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Com Matilde e Peteleco, parceiro com quem assinou muitas de suas obras.
Ainda em 1955, Adoniran compôs "As mariposas" e, em parceria com Rômulo Pais e Jota Sandoval, compôs "Camisolão"; com Jota Nunes e Antonio Rago, "Chorei, chorei!"; com Chuvisco e Jota Nunes, "Deixa de beber"; e com Antonio Rago, "Dormiu no chão". No mesmo ano, foi gravado, pelos Demônios da Garoa, seu samba feito em parceria com Alocin, em 1951, gravado pelo próprio Adoniran, sem sucesso, naquele ano, e regravado há pouco tempo por Rita Lee, o conhecidíssimo "Samba do Arnesto".
Em 1956 Adoniran nos presenteia com as composições "Apaga o fogo Mané" e "Um samba no Bexiga" e ainda algumas parcerias, como "Arranjei outro lugá", "Por onde andará Maria?" e "Vem, morena", com Antonio Rago; "Decididamente", com Benedito Lobo e Marcolino Leite; "Garrafa cheia", com Benedito Lobo e Antonio Rago; "O legume que ele quer", com Manezinho Araujo e "Quem bate sou eu!", com Artur Bernardo. Também é de 1956 o samba "Iracema", gravado pelos Demônios da Garoa no mesmo ano e regravado, em 1974, por Adoniran Barbosa e em 1980 por Adoniran Barbosa junto com Clara Nunes, com acompanhamento de Dino, em seu violão de sete cordas. "Iracema" foi gravado também, entre outros intérpretes, por Beth Carvalho e por Jards Macalé.
O ano de 1957 traz as composições de Adoniran "Terreque, Terreque", feita em parceria com Avaré e Antonio Rago, e a belíssima "Bom dia tristeza", feita em parceria com Vinícius de Moraes, embora Adoniran e Vinícius nunca tenham se encontrado pessoalmente. "Bom-dia tristeza" foi gravada em 1957, por Araci de Almeida, e em 1958 e 1963 por Maysa. Em 1958, Adoniran compôs, em parceria com Antonio Rago e Geraldo Blota, "Dotô Vardemá"; em parceria com Osvaldo Molles, "Pafunça"; com Hilda Hilst, Adoniran compôs "Quando te achei" e com José Mendes e Arrelia, compôs "Quero casar".
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Clementina de Jesus, Adoniran Barbosa, Matilde e Carlinhos Vergueiro.
Os Demônios da Garoa voltaram a fazer sucesso com a gravação, em 1958, do samba de Adoniran Barbosa "Abrigo de vagabundos". São de 1959 as composições de Adoniran "Morro da Casa Verde", "Perdoei" e, ainda, "Aqui, Gerarda" e "Juro Amor", em parceria com Ivan Moreno e Joca, e "Dor de Cotovelo" e "Sai água da minha boca", em parceria com Osvaldo Molles.
Em 1960 aparecem os sambas "Agora Vai" e "Chora na Rampa" e, com Joca e Geraldo Blota, a marcha "Bananeiro", com Hervê Cordovil o samba "Prova de carinho" e também o conhecidíssimo samba "Tiro ao álvaro", gravado por Adoniran Barbosa junto com Elis Regina, em 1980.O ano de 1962 foi fraco em composições: apenas uma, "Vem, Amor", feita em parceria com Geraldo Blota.
Em 1963, Adoniran compôs, com Edmundo Cruz, o samba "Escada da Glória" e, com Osvaldo Molles, a marcha "Segura o Apito". Em 1964, Adoniran compôs o samba "A luz da Light" e ainda o samba, lançado pelos Demônios da Garoa, que recebeu o primeiro prêmio do Carnaval no quarto centenário da fundação do Rio de Janeiro, em 1965, "Trem das onze". Aliás, "Trem das Onze" foi a primeira composição paulista a realmente sacudir os festejos carnavalescos do Rio de Janeiro. Foi revalorizado por Gal Costa num show ao vivo, em 1973, cuja gravação magnetiza o ouvinte, passando a ser um dos momentos mais empolgantes da MPB.
Com o sucesso de "Saudosa Maloca", Adoniran havia comprado um terreno em Cidade Ademar. Com o dinheiro de "Trem das Onze" construiu uma casa nesse terreno. Adoniran participou, também, de novelas de televisão e programas humorísticos da TV Record, de São Paulo, como 'Papai sabe nada' e 'Ceará contra 007'.
Continuando a compor numa linguagem que reconstituía a mistura de diferentes sotaques dos migrantes de São Paulo, Adoniran compôs, em 1965, os sambas "Eu vou pro samba", "Tocar na Banda" e "Samba Italiano", este uma sátira aos italianos.Ainda de 1965, são: "Ai, Guiomar", com Osvaldo Molles; "Já tenho a solução", com Clóvis de Lima; "Jabá Sintético", com Marcos César; "Minha Roseira", com Dedé; e "Agüenta a mão, João", com Hervê Cordovil, esta regravada pelo Grupo Fundo de Quintal, em 1990.
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Gonzaguinha, Clara Nunes e Adoniran.
Em 1966 Adoniran compôs "Nunca mais faço Carnaval" e com Marcos César, compôs "Já fui uma brasa". De 1967 são os sambas "O casamento do Moacir", em parceria com Osvaldo Molles; "Chá de Cadeira", com Jucata; e "Quem é vivo sempre aparece", com Corvino. O ano de 1968 traz as composições "Mulher, patrão e cachaça", com Osvaldo Molles e "Vila Esperança", com Marcos César.
A morte de Osvaldo Molles acabou provocando um vácuo na carreira humorística de Adoniran. Mas os mais jovens gostavam de seu trabalho e ele acabou tomando outro rumo. Ficou famoso e admirado, tendo suas músicas interpretadas por grandes nomes da MPB. E continuou compondo. Em 1969, Adoniran compôs "Despejo na favela" e "Não quero entrar" e, ainda, "Comê e coçá, é só começá", com Geraldo Blota e "Não precisa muita coisa", com Benito Di Paula.
Em 1970, compôs "Bem eu quisera" e com Hervê Cordovil, compôs "Olhando prá lua". Em 1971, também com Hervê Cordovil, compôs "É fogo". Em 1972, em parceria com Rolando Boldrin, Adoniran compôs "Eu quero ver quem pode mais". Sozinho, compôs as marchas "Como vai, Dr. Peru?", "Nóis viemos aqui prá quê?", "Senta, Senta" e o samba "Acende o candieiro", regravado por Marlene em 1990. Em 1973, finalmente, Adoniran entrou num estúdio para gravar o seu primeiro LP.
Também em 1973, Adoniran compôs "O caminhão do Simão" e com Rolando Boldrin, compôs "Três heróis". Em 1974, compôs "Véspera de Natal" e, em parceria com René Luiz, "Velho Rancho". Em 1975, Adoniran gravou seu segundo LP e compôs "Vide verso meu endereço". Em 1979, em parceria com Carlinhos Vergueiro, Adoniran compôs "Torresmo à milanesa", considerado um dos mais expressivos sambas da última fase de Adoniran. Em 1980 Adoniran gravou seu terceiro e último LP. Muitas composições suas transformaram-se em verdadeiros clássicos da MPB.
Casado com Dona Matilde, em 1942, Adoniran Barbosa não tinha filhos e teria completado 50 anos de carreira em 1983, se não tivesse morrido, na tarde de 23 de novembro de 1982, por insuficiência cardíaca, agravada por enfisema pulmonar. Seu velório foi um desconsolo total, não amenizado nem mesmo pela pinga que corria respeitosamente. Adoniran foi velado ao som de "Trem das Onze". Na hora do enterro, mais de 500 vozes entoaram "Saudosa Maloca". Adoniran se foi, levando consigo a sua marca registrada:o chapéu, o cachecol e a gravatinha borboleta. Mas deixou marcas inapagáveis de seu samba paulistano, parte integrante da nossa MPB.
Adoniran, o cronista
As crianças choravam. Os cães corriam e latiam. Sem saber direito o que fazer, as pessoas tentavam juntar os poucos pertences. Enquanto isso, os tratores se preparavam para demolir mais um cortiço. Nada podia atrapalhar o crescimento de São Paulo, a cidade que nunca pôde parar. Do outro lado da rua, alguém havia interrompido a caminhada e observava, estarrecido, a cena que se tornava cada vez mais comum. Da desgraça e da tristeza, um samba nascia: "Se o sinhô não tá lembrado / dá licença de contá / que aqui onde agora está / esse edifício arto, / era uma casa véia / um palacete assobradado. / Foi aqui seu moço, / que eu Mato Grosso e Joca / construímos nossa maloca, / mas um dia nós nem pode se alembrá / veio os home co'as ferramenta / o dono mandô derrubá".
Saudosa Maloca, primeiro grande sucesso de Adoniran Barbosa como compositor, foi criada em uma única noite, enquanto, ainda chocado com o despejo visto horas antes, passeava pelas calçadas já escuras da cidade. A rua era a verdadeira casa de sua obra, síntese de sotaques, de entonações próprias das migrações que sempre povoaram São Paulo. O compositor transformava a experiência do boêmio em música. As palavras do povo, o modo de falar dos mais humildes, tudo encadeado de maneira a criar poesia, novas sonoridades. Nas esquinas de São Paulo, ele encontrava a linguagem em seu estado puro, contando a realidade social por meio de um português vivo e cotidiano. Um português que preferia Marvina a Malvina, muié a mulher, que falava nóis em vez de dizer nós.
Quando Adoniran Barbosa chegou a São Paulo, o disco e o rádio desenvolviam-se rapidamente. O rádio, que na década de 20 surgia com características amadoras e uma programação erudita, nos anos 30 mudava totalmente a sua conduta. A música, antes considerada folclórica e inferior, passava a ter status de popular e começava a ocupar cada vez mais espaço na programação. Em 1932, com a legislação da publicidade radiofônica, o meio se profissionalizava e se popularizava.
Na capital paulista, Assis Chateaubriand fundava, em 37, a Rádio Tupi, unindo o novo meio ao jornal (Emissoras e Diários Associados). Mas a grande líder de audiência era a Record, a primeira emissora do país a constituir um elenco fixo. E nele se encontrava de tudo. Cantores de rua e de circo, maestros com formação acadêmica, "maestros de assobio", vendedores, atores, aventureiros sem profissão, intelectuais. O rádio era então o centro de todo sistema de comunicação de massa que começava a se formar.
Nesse meio se movimentou Adoniran Barbosa, tanto como humorista quanto como sambista. Mas, nos dois casos, procurando esconder a dor de ver as mudanças da cidade que tanto amava, de ver o fim dos laços de solidariedade entre vizinhos e a destruição dos espaços urbanos que possibilitavam o encontro e a festa entre as pessoas.
Todo o processo de criação de Adoniran era acompanhado de perto e incentivado pelo amigo e parceiro Oswaldo Molles. Era ele quem enviava Adoniran para longos passeios pelas redondezas, para observar e extrair histórias para seus programas. Também foi Molles quem deu chance para Adoniran interpretar diversos tipos. A parceria dos dois deu tão certo que, em 1946, a imprensa chamava Adoniran de "o milionário criador de tipos" e, Molles, "o milionário criador de programas". Nesse ano, o compositor fazia nada menos do que dezesseis interpretações diferentes.
Com o passar dos anos, o envolvimento de Adoniran com o rádio se tornou tão grande que, em abril de 53, sua agenda era a seguinte: segunda, interpretava o humilde marido Confúcio das Dores em Solteiro é melhor; na terça, trabalhava no programa Convite ao samba; na quarta, em Show Castelo e Vale o quanto pesa; na quinta, em Presença do Trio; na sexta, em O crime não compensa; no sábado, em Sítio do Bicho de Pé e no domingo, em A grande filmagem. Nesse último, trabalhava ao lado de nomes como Anselmo Duarte, Ilka Soares, além de duas orquestras e cantores, tudo sob a direção de Blota Jr.
Em 1955, após o lançamento de Saudosa Maloca, estreou como o personagem Charutinho, em Histórias das Malocas, radiocontos escritos e dirigidos por Oswaldo Molles. O ex-mascate, ex-pintor de paredes e ex-quase tudo transformava-se no desocupado malandro morador do Morro do Piolho, pronto para mais uma viagem costeira pelo mundo dos humildes, como definia o próprio programa. Apesar de uma certa idealização das malocas, História das Malocas não mostrava um passado belo, mas sim um presente degradado: "Esta é a minha maloca, manja? Mais esburacada que tamborim de escola de samba em Quarta-feira de Cinzas. Onde a gente enfia a mão no armário e encontra o céu. Onde o chuveiro é o buraco da goteira. Não tem água de zinco. Às veis a gente toma banho de bacia e se enxuga com a toalha do vento. E quando não tem água a gente se enxuga antes de tomá banho", falava Charutinho.
As críticas sociais eram constantes. Como no episódio em que a comunidade do Morro do PioIho decide fazer uma eleição e a urna é roubada. Ou em outro, em que os moradores resolvem sair para procurar emprego e só encontram um. Para ocupar essa vaga, escolhem Charutinho, o mais preguiçoso e vadio da turma. Já no departamento pessoal da empresa, o malandro é obrigado a um ir e vir sem fim, trazendo atestados, documentos e vacinas. "Eu tenho que tirá tanta coisa pra trabaiá, que eu vô boquejá pa turma do Morro, pa vê se por motível das dificurdádias..." Ajudado pelo pessoal do Morro, ele finalmente consegue ser empregado. No primeiro dia de trabalho, todos querem levar Charutinho até a porta da fábrica. Lá, a confusão: o pessoal é proibido de entrar e Charutinho, revoltado, faz um inflamado discurso e é demitido. A crítica não é contra o trabalho, mas contra o sistema que o transforma em algo sombrio e sem vida, longe da festa e da diversão.
É impossível separar o radioator do compositor. Se a História das Malocas surgiu a partir de uma de suas músicas, seus sambas se embebiam no universo do programa de rádio.
A partir de 1955, o Brasil se abria para os bens de capital estrangeiros e acelerava o processo de industrialização. Era época de euforia, de "50 anos em 5", era o governo JK. Juscelino Kubitschek queria a qualquer custo modernizar a produção, ampliando a indústria pesada e o setor de bens de consumo duráveis. A sociedade se motorizava e a economia nacional era cada vez mais integrada aos grandes monopólios internacionais.
As mudanças na paisagem do centro de São Paulo eram visíveis para qualquer um. Especialmente para Adoniran, acostumado a andar diariamente por todas aquelas ruas, de boteco em boteco, entre um traguinho de pinga, um cigarro e um sambinha com os companheiros. Já não existiam o romantismo e a poesia dos primeiros tempos, o progresso chegava, arrastando tudo o que estivesse em seu caminho. São Paulo já não sabia mais adormecer.
Não que aquilo deixasse o compositor triste. Ele entendia que novos tempos estavam chegando, que os tipos que cantara em tantos sambas e que encarnara em tantos programas de rádio em pouco tempo deixariam de existir. "Progréssio / progréssio / eu sempre escuitei falá...", dizia uma de suas músicas. Mas também podia se sentir recompensado: graças a ele o passado estava eternizado, com seus Arnestos, com as saudades de destruídas malocas, com o trem que, às onze horas, deveria levar o namorado de volta ao Jaçanã.
Adoniran Barbosa viu todas as mudanças que a cidade sofreu. E ninguém soube cantá-las como ele, sempre a partir do ponto de vista dos excluídos, dos marginais, dos párias da sociedade. Ele só entendia a composição assim: como a voz dos mais humildes, com uma voz que era a sua mais do que de ninguém. Ele que nunca cursara mais do que a terceira série do primário e que, antes de tentar ser artista, trabalhara em diversas profissões. Ele foi percebendo e vivendo as mudanças por que passava a cidade. Em 1951, gravaria Saudosa Maloca, pela Continental. A música, porém, só faria sucesso em 55, na interpretação dos Demônios da Garoa, que também gravaram o Samba do Arnesto. Aos poucos, com o reforço dos Demônios, sua vida artística foi evoluindo. Ainda em 55, duas reportagens publicadas na Revista do Rádio traziam os títulos: "Só faltava fazer sambas... e Adoniran também fez" e "Humorista faz músicas tristes".
A fama chegava tarde na vida do compositor; o dinheiro, no entanto, não chegaria nunca. Por um lado, porque Adoniran continuava ganhando mal na Record e, por outro, porque não dispensava uma pinga no fim do dia, continuando tão boêmio e mulherengo quanto no início da carreira. Uma das alternativas para aumentar o orçamento no fim do mês foi levar a trupe radiofônica para os circos da periferia da cidade. Matilde, sua esposa, contava que ela era a responsável por depositar o dinheiro arrecadado durante aqueles espetáculos circenses: uma enorme quantidade de notas miúdas, sujas, que mais de uma vez o caixa bancário se negou a aceitar. "Acontece que a gente era muito pobre, porque ninguém fazia shows como hoje. Adoniran só cantava em circo e, de vez em quando, no Cine-Teatro Colombo, lá no Brás, ou no Coliseu, no Largo do Arouche", lembra a companheira do compositor.
O impulso dado na carreira de Adoniran e o sucesso de História das Malocas dá uma diminuída a partir de 1958. A audiência do programa começa a cair e o samba passa a sofrer a concorrência de um novo movimento musical, marcado pela influência do jazz norte-americano, que logo ficaria conhecido como bossa nova. João Gilberto gravava Chega de saudade e transformava o cenário da música brasileira.
Apesar do clima pouco favorável, Adoniran continuava com suas andanças e suas composições. Músicas que vão registrando passo a passo a vida da maloca, que também vai acompanhando o ritmo imposto pelo progresso. Em 1959, Abrigo de Vagabundo contava o início de uma nova maloca, perto da Mooca. Porém, em 1969, vem Despejo na favela. "Dispois o que eu tenho / É tão pouca mudança / É tão pequena / Que cabe no bolso", diz o morador diante do oficial que Ihe mostra a ordem de despejo.
Mas é em 65 que Adoniran dá mais uma guinada e volta a caminhar pelos trilhos do sucesso: é a vez de Trem das Onze. Lançada no meio do ano pelos Demônios da Garoa, a música chegou forte no Carnaval do ano seguinte, tomando conta do povo nas ruas, cantada com entusiasmo pelos foliões.
Cada vez mais respeitado como compositor, Adoniran vinha enfrentando problemas em sua carreira de radioator desde 64, com o suicídio do amigo e parceiro Oswaldo Molles. Era o fim da História das Malocas e das aventuras de Charutinho, que sairiam do ar definitivamente em 68. Por ter horror a pequenas platéias, o artista também já quase não fazia mais shows em circos - estes não mais atraiam o mesmo público de antigamente.
Adoniran passou a ser marginalizado na Record. Todos os dias chegava no trabalho, procurava seu nome na escalação do dia e não encontrava nada. Sem ter o que fazer, ia para o bar e ficava papeando. Novas histórias, novas músicas. Compor passou a ser sua grande meta. E, na sua obra, dois bairros paulistanos se destacavam: o Brás e o Bixiga. O primeiro, com suas casas velhas, seus cortiços superpovoados e as ruas em franca decadência. O Bixiga, com as cantinas italianas, o clima camarada e amigo, o lugar onde Adoniran reencontrava suas origens. Suas músicas se tornavam cada vez mais reportagens, crônicas de costumes e de época.
Com o passar dos anos, já não podia mais sair à noite. Anos de garoa noturna, sem chapéu e sem casaco, lhe trouxeram um enfisema pulmonar que o acompanhou até o fim da vida. Reclamava: "Eu que sempre fui um homem das ruas quase não saio mais de casa". Aos poucos, a noite deixou de lhe pertencer. Cada vez era mais difícil criar coisas novas. E as composições antigas aos poucos iam sendo deixadas de lado pelas rádios, preocupadas em tocar bossa nova e depois o iê-iêiê. Isso também era motivo de mágoa: "Por que não tocam mais minhas músicas? Afinal, todos dizem que sou um bom compositor", queixava-se às vezes.
Todos esses inconvenientes tumultuaram os últimos anos de vida de Adoniran Barbosa. Em entrevista ao jornal Diário Popular, declararia: "Nada meu foi conseguido com facilidade. Tudo parecia como se eu quisesse entrar num elevador e, embora havendo lugar, o cabineiro que não ia com a minha cara logo dizia: Tá lotado...". Persistência que finalmente lhe trouxe o reconhecimento merecido. Tardio, especialmente para quem sempre lutou por uma chance de brilhar. Mas não menos saboreado por isso.
Quando começou a ser chamado para entrevistas e outras homenagens, em meados da década de 70, não pensava duas vezes antes de aceitar. Gostava da popularidade, dos refletores das televisões, e de estar em evidência. Era assim com 20 anos de idade, foi assim aos quase 70. Apesar de ainda reclamar da demora em vencer como artista, dizia-se satisfeito: "Eu sou um homem feliz. Fiz tudo o que quis na vida, mesmo com atraso... Só não fiz teatro porque agora já não tenho mais coragem. O teatro é duro, tem que ser cara a cara com o público... Mas fiz novela, e é uma parada, pois a gente tem que chegar cedinho, cinco, seis horas da manhã, e não se sabe a que horas sai, nem se almoça ou janta... É trabalho para leão. Ainda mais para mim, que sempre gostei da madrugada, não dá certo, pois assim eu não durmo... Eu gosto de fazer publicidade, quando me pagam direitinho".
Com os anos, o enfisema pulmonar que o maltratava foi piorando. Mesmo assim, queria continuar andando, queria ver o Carnaval, o samba e o povo nas ruas. Em 82, após algumas internações, veio a caminhada final. Adoniran morreu num hospital, na avenida Santo Amaro zona sul de São Paulo, com Matilde sempre a seu lado. Imortalizado em sons e em imagens de uma música que continua cantando com humor as desgraças do dia-a-dia. Atual sempre. A cidade que ele retratou não é mais a mesma, mas a dor e a miséria humanas continuam iguais.
Sambas de esquinas
Adoniran Barbosa gostava dos temas sociais. Depois do sucesso de Saudosa Maloca - que conta a triste história dos amigos que, de repente, se vêem sem ter onde morar -, o compositor se interessou cada vez mais pelo que acontecia nas ruas, pelos moradores dos bairros pobres, com seu português mal-falado e seus dramas cotidianos. Sua maneira de compor, sem grandes conceitos musicais, dificultava as parcerias.
Uma das exceções foi seu grande amigo Oswaldo Molles, criador de programas de rádio em que Adoniran amava. Molles gostava dos fraseados errados do companheiro, considerando-os a expressão do autêntico modo de falar do povo. E foi com a pretensão de aprofundar esse mergulho no espírito popular que Molles produziu o programa Histórias da Maloca, na Rádio Record, no qual Adoniran interpretava o personagem Charutinho, um negrinho malandro e boêmio, com o sotaque italianizado dos paulistanos. Da parceria no rádio para a música foi um pulo. Adoniran e Oswaldo Molles criaram juntos com posições importantes, entre as quais se destacam Tiro ao Álvaro e Mulher, Patrão e Cachaça.
Quem vê a lista de parceiros de Adoniran Barbosa se espanta com um nome que aparece algumas vezes: Peteleco. Mas quem conhece um pouco de sua vida sabe que esse era o apelido do primeiro cachorro do casal Adoniran e Matilde. Pois Peteleco é autor, ao lado de seu dono, das músicas Pra que chorar? e É da banda da lei, esta última também com a participação de Irvando Luiz. Na verdade, Peteleco, além de ser o nome do cão de Adoniran, servia como pseudônimo para sua esposa, Matilde de Lutiis. Apenas em A garoa vem descendo ela assinaria a co-autoria com seu próprio nome.
Outros dois personagens importantes na carreira de Adoniran Barbosa foram Rolando Boldrin, parceiro e intérprete do samba Quero ver quem pode mais, e Vinícius de Moraes, que assina Bom dia, tristeza. Sobre esta última, correm duas versões diferentes. Uma, contada por Araci de Almeida, primeira intérprete da canção, e, a outra, pelo próprio Adoniran. Segundo Araci, ela estava no bar do Hotel Comodoro, em São Paulo, quando chegaram Vinícius, Flávio Porto e Clóvis Graciano. Bebida vai, bebida vem, Araci pediu a Vinícius que criasse uma poesia para ela. Sem pensar duas vezes o poeta escreveu alguns versos em um papel e lhe entregou. Dias depois, a cantora deu a letra a Adoniran, que a musicou. Este, no entanto, contava uma história diferente.
Ele costumava dizer que Bom dia, tristeza era uma das composições mais antigas de Vinicius, escrita quando o poeta ainda servia como diplomata na Unesco. Ele teria enviado a poesia, por carta, para Araci de Almeida, com a recomendação de fazer o que bem entendesse. "Mas ela, que era minha chapa, deu para mim (sic) musicar", afirmava o compositor. De qualquer maneira, Adoniran e Vinicius nunca chegaram a se conhecer.
Houve intérpretes importantes para as músicas de Adoniran. Clara Nunes e Clementina de Jesus, por exemplo, misturaram seu samba carioca, do morro, com o sotaque paulistano tão caipira e italiano das músicas do compositor. Aliás, foi esse mesmo tom caipira que o aproximou de Rolando Boldrin.
Outros cantores e cantoras fizeram gravações marcantes de Adoniran. Foi o caso de Gal Costa, em sua versão de Trem das Onze, e de João Bosco, com uma interpretação histórica de Saudosa Maloca. A composição com Vinicius de Moraes, versões, entre elas a de Maísa, em 58, e a de Elis Regina, em 78.
Aliás, Elis é responsável por uma memorável gravação de Tiro ao Álvaro, no disco de comemoração dos 70 anos de Adoniran, em 1980. Ocupada com uma enorme agenda de shows, a cantora se atrasou para a gravação, desesperando toda a equipe e o velho compositor, que não mais acreditava na sua aparição. Quando Elis finalmente surgiu, ainda sem conhecer a música, entrou no estúdio com Adoniran e deixou o compositor boquiaberto quando saiu de lá, meia hora depois, já com a primeira e definitiva gravação.
Algumas letras e cifras
Fontes: "memórias da mpb" - Samira Prioli Jayme; Cifrantiga - História da MPB e Cifras; MPB Compositores - Ed. Globo; Enciclopédia da Música Brasileira - Art Ditora PubliFolha.

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